Winner of the Pulitzer Prize

The great double agent

Fernando Sobral reviews Viet Than Nguyen’s The Sympathizer. Originally published on Negocios

A retirada dos americanos de Saigão em 1975 e todos acontecimentos posteriores servem de palco a uma das melhores obras de ficção estrangeira editadas este ano em Portugal.

The Sympathizer by Viet Thanh Nguyen, Portuguese cover

O livro de Viet Thanh Nguyen é sobre um homem que deseja ser invisível. Por isso o romance começa assim: “Sou um espião, um infiltrado, um malsim, um homem de duas faces. Não será porventura uma surpresa que também seja um homem de duas mentes. Não sou um mutante incompreendido de um livro de banda desenhada ou de um filme de terror, ainda que haja quem me tenha tratado como tal. Sou simplesmente capaz de considerar uma questão de ambos os lados.” Não admira: o capitão que isto confessa, filho de pai francês e mãe vietnamita, assiste à debandada do que sobra das forças do Sul em 1975, na então Saigão.

Ele é um agente do Vietcongue, que luta contra os aliados dos americanos (e contra estes) no Vietname. E é a partir daqui que se percebe melhor toda a riqueza deste poderoso romance, que não nos fala apenas da guerra e dos dilemas morais, mas também do legado de um conflito. A fuga de Saigão é um dos grandes momentos deste livro. O capitão descreve estes momentos de forma notável, onde muitas vezes o horror se cruza com alguma ironia e mesmo humor. E é esse equilíbrio, nem sempre fácil de conseguir, que Viet Thanh Nguyen consegue. E ele acaba por se juntar ao general e à família deste no último avião que parte da então Saigão.

A vida de expatriado acaba por nos trazer uma outra dimensão de tudo o que se vai passando. Enquanto o general gere uma loja de bebidas em Hollywood Boulevard, ele acaba por conviver com figuras da extrema-direita americana, incluindo um boina verde que esteve no Vietname no início da década de 60. E é assim que sabemos que vai ser rodado um filme sobre o Vietname, que começa por ter o capitão como conselheiro. Mas este é rapidamente expulso depois de ter protestado por nenhum dos que serão actores nesse filme pode falar em vietnamita. Mas acaba por ir à rodagem nas Filipinas, algo que parece ser uma versão cómica da rodagem de “Apocalypse Now” de Francis Ford Coppola.

Acabamos aqui também por perceber melhor o que foi a vida dos refugiados vietnamitas na Califórnia nos anos 70 e 80, vistos como uma comunidade que parecia não fazer parte do ADN da zona. A terceira parte do livro tem a ver com a tentativa de invasão do Vietname pelas forças “libertadoras” do general e que levam a que o capitão escreva a sua confissão, algo que acaba por ser o corpo central do livro. O encontro do capitão com o comissário que o interroga é um dos momentos empolgantes da obra e de todo o contexto emocional que aqui descortinamos.

O que aqui assistimos é à vida de alguém que está sistematicamente entre dois mundos e onde tem de se adaptar para conseguir sobreviver. Aqui busca-se um encontro com uma identidade que cada um parece desconhecer, já que cada personagem parece ser um peão de um jogo que não controla. E onde tenta apenas sobreviver às leis que também não redigiu.

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